Por que pediatras são tão chatos e insistentes quando o tema é obesidade?

A hora de prevenir a obesidade é agora, seja qual for a idade do indivíduo. Saiba o por quê?

Bom, pediatras são chatos e insistentes em muita coisa. Somos cheios de “não podes”. Não pode sal, açúcar, fritura, doces, chocolates, sedentarismo, TV, DVD, videogames por mais de 12 horas ao dia e nada até 2 anos de idade, andar de carro até 10 anos sem cadeirinhas, dormir tarde, dormir à tarde, nossa… cansei.

A principal queixa do consultório do pediatra há 30 anos era, sem dúvida, meu filho não come. Já há uns 10 anos, passamos a observar nas consultas um crescente e alarmante aumento de média de peso já desde a primeira infância, acompanhado de doenças que eram de adultos (diabetes tipo 2, hipertensão arterial, problemas de colesterol e triglicérides), além de questões de pele, coluna, psicológicas e sociais.

Criança sobre uma balança verificando o peso - foto: Sarit Wuttisan/ShutterStock.com

Mas será que existe mais alguma justificativa para esse excesso de zelo tão precoce? Não daria para esperar as crianças crescerem, virarem adolescentes ou até mesmo adultos, que já têm mais consciência e força de vontade, para iniciarmos assim o controle?

Bom, vou defender a classe. Rsrs. Tem problema sim, gente. Nós, pediatras, não somos só chatos porque gostamos disso (mentira). Somos chatos assim por preocupação e pela avaliação do que pode acontecer no futuro.

Além da questão de epigenética e nutrogenômica, que são ciências que estudam a influência do meio ambiente na manifestação dos genes, promovendo situações crescentes de dislipidemia familiar, mesmo nos magros, dois estudos recentes servem para ilustrar essa questão.

O jornal inglês,The Guardian, publicou recentemente matéria sobre estudo realizado no país, mostrando que os adolescentes entre 13 e 15 anos não têm noção de seu peso. A assim chamada “geração fat-blind” (que não enxerga sua obesidade), foi avaliada em grande amostragem pelaUniversity College Londonem estudo patrocinado pelaCancer Research UK.

O estudo que examinava a proporção de adolescentes com pesos normais que se achavam obesos e os adolescentes obesos que se achavam normais ou magros, levou em conta os dados doHealth Survey of England(Instituto de Pesquisa de Saúde da Inglaterra) e foi publicado noInternational Journal of Obesity(o estudo está nesse último link).

A população estudada foi de 4.979 adolescentes (2668 meninos e 2311 meninas), entre 2005 e 2012, entre 13 e 15 anos de idade, que tiveram seus pesos avaliados pelo IMC, que tinham que classificar sua percepção sobre o seu peso como:

– No peso adequado

– Muito pesado

– Muito leve.

Os resultados mostraram que a maioria dos que tinham peso normal (83% dos meninos e 84% das meninas) se colocou no grupo de peso adequado. Por outro lado, apenas 60% dos adolescentes com sobrepeso ou obeso (53% dos meninos e 68% das meninas) se identificavam como muito pesados. Enquanto isso, 39% (47% dos meninos e 32% das meninas desse grupo) se achavam no peso adequado e até peso abaixo do normal.

A conclusão dos autores foi que a falta de atenção sobre o excesso do peso entre adolescentes com sobrepeso ou obesos deve ser causa de preocupação.

Outroestudopublicado recentemente no American Journal of Public Health, fez uma avaliação importantíssima a respeito das chances de um adulto com sobrepeso ou obeso recuperar seu estado de equilíbrio nessa questão.

Foi avaliada uma amostragem de 76.704 homens e 99.791 mulheres obesos, acima de 20 anos de idade, por dados doUnited Kingdom’s Clinical Practice Research Datalink, entre 2004 e 2014. Foram excluídos desse grupo, pacientes submetidos a cirurgia bariátrica. O estudo avaliou a probabilidade de se atingir o peso normal ou uma redução de 5% do peso.

Durante um máximo de 9 anos de acompanhamento, 1.283 homens e 2.245 mulheres atingiram o seu peso normal. No caso de obesidade simples (IMC entre 30 e 34.9), a chance anual de se atingir o peso normal foi de 1 homem em cada 210 e 1 mulher em cada 124, chegando a 1 para cada 1.290 homens e 1 1 para cada 677 mulheres quando o caso era de obesidade mórbida (IMC entre 40 e 44,9).

Já a perda de 5% do peso em um ano mostrava uma chance bem mais viável: 1 em cada 8 homens e 1 em cada 7 mulheres com obesidade mórbida.

Os autores concluíram que a probabilidade de recuperação dessa taxa ou até de se manter a perda de peso é muito baixa. Os programas de tratamento para obesidade baseados nessas técnicas podem não ser eficazes.

Assim, mães e pais, não se zanguem quando o pediatra se mostrar preocupado com a avaliação de peso de seus filhos e insistir na realização de exames, orientar diminuição de sedentarismo com atividade física mais programada e tentar controlar a quantidade e a qualidade da alimentação da casa e da família.

Quanto mais tarde essas atitudes forem tomadas, menos eficientes elas se mostram e maiores os riscos de uma epidemia ainda maior do que a que já temos constatada no Brasil. Mais de 50% da população adulta , acima de 18 anos, independente de sexo, apresenta segundo dados da pesquisa VIGITEL de 2014, sobrepeso ou obesidade e essa taxa não está caindo.

As ações que começam nos primeiros mil dias desde um pré-natal adequado (270 dias), passa pelo parto, aleitamento materno desde a sala de parto, exclusivo e em livre-demanda até 2 anos (730 dias) ou mais, com introdução alimentar adequada sem pressa, somente a partir do 6º mês de vida (nem água antes), sucos (mesmo os naturais) somente após um ano de idade, atividade física regular, nada de TV ou mídias até 2 anos de idade e depois disso um máximo de 2 horas ao dia, podem ajudar a conter essa que é considerada pela OMS como a principal Doença Crônica Epidêmica Não-Transmissível desde o século passado: a obesidade.

Dr. Moises Chencinski

Formado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo com título de especialista em pediatria pela Associação Médica Brasileira (AM...

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