Hora de Dormir: O Sono – parte 14

Um encanto de método para os bebês?

Não dá para dizer se o método ficou famoso por sua autora ter sido babá de filhos de gente famosa (Jodie Foster, Arnold Schwarzenegger, Michael J. Fox, Cindy Crawford, entre outros) quando se mudou para os Estados Unidos, ou se ela foi babá de gente famosa por ter uma proposta de sucesso e um método. Como aconselhadora, cada 2 horas de orientação por telefone saía por 500 dólares ou um dia de acompanhamento em casa por 1.000 dólares.

O certo é que Tracy Hogg, enfermeira formada pela Doncaster School of Nursing na Inglaterra, falecida em 2004 (melanoma), com livros publicados (3 em inglês – Secrets of the Baby Whisperer, 2 em português), uma séria de TV no Discovery Health, difundiu uma técnica que, independente das críticas ou comentários que se possam fazer ao seu método, promete que a maioria dos bebês de 8 semanas (2 meses de idade) teriam seis horas seguidas de sono à noite. Isso porque, segundo a autora, ela tinha “o dom de entender a linguagem dos bebês” (essa é apenas uma de suas declarações “polêmicas”).

Como comentamos em todos os outros métodos, se seguidas as suas orientações, que a autora considerava simples, há grandes chances de êxito naquilo a que se propõe, dependendo das questões tempo e adaptação dos pais e da criança.

Bebê dormindo no colo da mamãe que pede silêncio - Foto: Alliance / ShutterStock

O método da Encantadora de Bebês

Alguns pontos são importantes e, para facilitar sua utilização, algumas siglas foram bem conhecidas.

Essa sigla centralizava o método.

EASY: fazer as coisas em uma determinada sequência: E (eat = comer, mamar), A (activity = atividade, trocar fralda, brincar com os pais, observar a janela, o móbile, passear), S (sleep = dormir) e Y (you = você, a hora que você dorme, descansa ou cuida da casa).

A autora acredita que já com poucos dias de vida a criança pode determinar seu comportamento no futuro baseada nas informações que recebe nessa fase.

Suas recomendações devem ser seguidas desde que a criança nasce.

Primeira semana de vida

  • Estabelecer uma rotina de amamentação, acordando-o com intervalos de 2 horas durante o dia e deixando que durma à noite o quanto ele quiser.
  • Para que a mãe possa descansar, se o médico permitir, o pai pode participar do processo oferecendo uma mamadeira com leite artificial às noite, às 23 horas.
  • 40 minutos após o bebê acordar para mamar, inicie uma rotina para ele dormir.
    Trocar a fralda, fechar a janela do quarto, falar baixinho com o bebê e sentar-se na sua cama ou na poltrona com ele de pé no seu colo, com a cabeça no seu ombro, e dar tapinhas de leve nas costas.
  • Acalme o bebê, conversando com ele bem baixinho, cantando suavemente, e quando ele fechar os olhinhos, coloque-o no berço.
  • Para o sono noturno, também vale um ritual ao escurecer começando com um banho e seguindo as mesmas orientações.
  • Se o bebê acorda à noite, não acenda a luz (uma luz fraquinha pode ajudar), evitando estimular o bebê. Pode acariciar, amamentar, sem cantar, conversar ou fazer festas, mostrando a ele que aquela é hora de dormir e não brincar e colocá-lo no berço assim que terminar esse processo.
  • Se o bebê chorar e não dormir, apesar de amamentado e limpo, tentar interpretar o choro do bebê e tentar resolver o problema dele: ainda fome, xixi, cocô, frio, calor, dor, cansaço, tédio, doença. Eliminando os itens nessa ordem, se ainda assim ele chora, pode ser necessário levar a um atendimento médico.

Entre 1 e 6 semanas de vida

Ao final de uma semana, já dá para conhecer os hábitos de seu bebê (segundo a autora). Então deve-se anotar, durante 3 dias, todos esses dados: que horas acorda, como acorda (chorando ou brincando?), quantos cocôs fez, quanto mamou, quantas vezes, quanto tempo dormiu, depois de quanto tempo acordado fica com sono, entre outros e aí compreender o padrão que já deve estar criado.

Essa será a rotina do bebê, que pode até demorar a funcionar, mas deve ser repetida diariamente até dar certo.

Independente de qualquer fase, a autora não recomenda deixar os bebês chorando sem que ele seja atendido.

Uma dica:

É uma técnica que é chamada de PU/PD.

PU: pick up (pegar) /PD: pick down (colocar) – no berço

O bebê está chorando. Se o problema foi identificado e resolvido, coloca-se o bebê no berço, para dormir calmamente.

Se ele chorar, deve-se pegá-lo no colo (pick up), acalmá-lo e assim que ele parar de chorar colocá-lo de volta no berço (pick down). Esse procedimento deve ser repetido quantas vezes forem necessárias (1, 2, 5, 10, 50).

Essa técnica é recomendada para bebês acima de 4 meses. Antes dessa idade o bebê pode ficar mais agitado se retirado do berço. Antes disso, deve-se acalmá-lo no berço mesmo, com leves tapinhas nas costas e usando o “shhhhhh”.

Complementando a dica anterior: o “shhhhhh

Segundo a autora o Shush-pat (carinho do sussurro) pode ser usado para iniciar o sono ou ensinar bebês até 6 meses a adormecer.

No quarto já sem luz, após enrolar o bebê de forma firme, porém confortável, dê tapinhas firmes, ritmados, no meio das costas do bebê (abaixo dos 4 meses no próprio berço) e faça o som shhhhh perto da criança, passando perto da orelha e não diretamente dentro dela, em um tom mais forte e lento.

Se não resolver, pegue o bebê no colo, coloque-o sobre seu ombro e repita o processo (tapinhas e shhhh), até que ele se acalme e aí coloque-o no berço, ainda no mesmo processo (tapinhas e shhhh). Fique nesse processo por 7 a 10 minutos.

Eventualmente suspenda o shhhh. Se o bebê acordar, volte a fazer. Se ele se mantiver bem, calmo, vá diminuindo a frequência e a intensidade do processo até que ele se encontre no estágio 3 do sono não REM, com sua mão no peito do bebê.

Mais uma dica: A mamada dos sonhos

Essa técnica deve ser utilizada junto com todo o método, pois isoladamente não terá sucesso, segundo a autora.

Por volta das 22 a 23 horas, a partir de 6 semanas de vida (apesar de muitas mães usarem bem antes disso), mesmo com o bebê dormindo, ofereça uma mamada para que ele não acorde à noite.

Segundo a autora, as mães podem posicionar o bebê ao seio, com cuidado, para não acordá-lo, ou avós ou o pai podem oferecer uma mamadeira, com leite materno retirado previamente ou fórmula infantil, para que a mãe possa descansar. Ele deve terminar essa mamada bem relaxado, a ponto de nem precisar arrotar.

Essa técnica deve ser suspensa até no máximo um ano de idade, se a mãe perceber que a rotina alimentar está bem estruturada e a criança não necessitar mais dessa mamada.

Última dica: Paternidade acidental.

Quando o bebê não para de chorar, bate o desespero e não se sabe o que fazer e, ao invés de se tentar descobrir a causa e solucionar de forma efetiva o seu problema, toma-se alguma atitude inadequada, mesmo conscientemente, para resolver o “nosso problema” (que é ele não parar de chorar) estamos diante de uma situação conhecida como paternidade acidental.

Um exemplo é sair para dar uma volta de carro no quarteirão, por saber que assim ele para de chorar. Isso pode até resolver a situação temporariamente, mas depois, para desacostumar o bebê, pode ser muito mais trabalhoso. Assim, essa é uma atitude a ser evitada para que não seja prolongada. Deve-se começar como se deseja continuar.

Minha opinião

Vale lembrar que os métodos que apresento aqui são muito mais amplos e mais abrangentes. Procuro apenas abordar alguns pontos que julgo centrais e explicar, um pouco, as formas de pensamento dos autores e suas histórias.

Pontos positivos:

  • Existe uma preocupação em não deixar o bebê chorar.
  • Algumas atitudes demonstram uma preocupação em que o bebê seja parte integrante da família, com afeto, carinho demonstrados.
  • Algumas sugestões interessantes em relação a animais de estimação.
  • Através de toda a metodologia, mas não por conta dela, há um incentivo à maior observação e contato com o bebê para reconhecer suas reações, seus sinais de fome, de sono.

Pontos questionáveis:

  • Iniciar esse método logo ao nascer, pode fazer supor que exista alguma forma de controlar o fisiológico, fazer com que o recém-nascido adquira “consciência” sobre suas atitudes, especialmente sobre seu ritmo de mamar, dormir. Seria como querer controlar fezes e urina baseando-se em qualquer método.
  • Apesar de muitos “bons resultados” relacionados ao sono do bebê, não há nenhum embasamento científico que sustente o método e não há trabalhos, a médio e longo prazo, demonstrando que as atitudes tomadas não tragam nenhum problema posterior, quer seja de ordem emocional, quer seja da ordem de sobrepeso ou até do próprio sono.
  • Há um evidente estímulo ao uso da mamadeira e da chupeta desde cedo (cultural em sua formação, talvez), inclusive orientando para, desde muito cedo, “alimentar um bebê que está dormindo” para que ele não acorde durante a noite (mamada dos sonhos).
  • Ao mesmo tempo em que notamos uma maior tentativa do pai em entrar no processo da família, dos cuidados com o bebê, há um certo descuido em chamar aquelas atitudes que muitas mães, avós, pais tomam, em situações de “desespero” ou “quando não sabem mais o que fazer” e que, até por serem inadequadas podem causar problemas posteriores de “paternidade acidental”.
  • Há uma insistência na afirmação que o bebê deve se adaptar à casa e não a casa ao bebê, que a mãe não pode ser “prejudicada” em sua evolução profissional pelo nascimento de um filho (planejado), que as mães não devem anular-se diante dos caprichos dos filhos e que os bebês precisam de disciplina.
  • alguns dados sombrios a respeito de sua história de vida pessoal que foi muito investigada após seu sucesso. Até que ponto eles são reais ou motivados por inveja, ganância, fica a critério de vocês e dos historiadores.

Para concluir, vou colocar a seguir uma citação com conselhos para a mamãe pós-moderna, atribuídos à autora (na mesma matéria já referida acima). Vou manter a mesma ordenação.

Conselhos para a mamãe pós-moderna

  • chame-o pelo primeiro nome e nunca de nenê. Evite apelidos carinhosos que podem confundi-lo;
  • ao chegar em casa vinda da maternidade, apresente cada cômodo da casa ao recém-nascido. Como se você fosse o curador de um importante museu e ele, um ilustre visitante;
  • amar alguém leva tempo. O mesmo vale para o filho que acabou de nascer. Não se preocupe se você sentir nos primeiros dias que não o ama o suficiente;
  • aquele choro ardido do recém-nascido não significa necessariamente fome. Pode ser simplesmente um sinal de que ele está entediado. Distraia-o, dê uma volta com ele. Se não der certo, ofereça a chupeta;
  • estabeleça uma rígida rotina para ele seguir, com horários fixos para mamar, brincar e dormir. Bebês exaustos dormem como um anjo. Lembre-se de que ele é que precisa adaptar-se à sua rotina, e não o contrário;
  • cuidado com os cães e gatos da casa. Traga um lençol da maternidade para que os animais se acostumem com o cheiro do bebê;
  • embale o bebê balançando-o junto ao peito, em movimentos para a frente e para trás. Com isso ele se lembra do andar da mãe quando ainda estava no útero;
  • quando o bebê chorar, pegue-o no colo por alguns instantes e devolva-o ao berço assim que ele parar. Diga: “Estou aqui, não vou a lugar nenhum”. Assim vocês vão criar um pacto de confiança e o bebê não vai se tornar uma criança birrenta;
  • os bebês choram muito nos primeiros meses e isso é normal. Não dura para sempre, mas, se você não consegue habituar-se ao choro, use um walkman ou protetor auricular, daquele usado em avião.

Já passamos por alguns dos livros e métodos mais conhecidos e difundidos, com seguidores fiéis, mães decepcionadas, outras esperançosas. Será que ainda tem mais alguma outra possibilidade? Há ainda algo a mais a se comentar sobre o sono dos bebês?

Ô. Tem muito mais. E cada um tem a sua própria receita.

A partir da próxima semana, vamos retomar mais informações científicas, estudos e até falar alguma coisa a respeito de problemas que podem interferir no sono das crianças (pesadelos, terror noturno, entre outros).

Conto com vocês aqui.

Esse artigo faz parte de uma série, para ver as demais partes, acesse:

Dr. Moises Chencinski

Formado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo com título de especialista em pediatria pela Associação Médica Brasileira (AM...

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