Gravidez com diabetes: recontando uma história 15 anos depois

Publiquei esta história em julho de 2000 no Guia do Bebê, e agora, 15 anos depois volto aqui para recontá-la e trazer mais alguns detalhes sobre o que aconteceu depois

Em 06/07/2000 esse foi o meu relato:

Sou diabética há 22 anos, os médicos diziam que eu não poderia ter filhos. Passei minha vida toda pensando que não poderia e não me preocupava com isso.

Mas os médicos estavam enganados, com 28 anos incompletos engravidei, mas não sabia que estava grávida. Foi uma alegria, todos me bajulavam, me paparicavam de todas as maneiras.

Mas, após, com 10 semanas de gestação (só descobri que estava grávida quando já estava com 8 semanas de gestação), perdi meu bebê. Foi uma tristeza para todos, mas para mim a perda de um sonho. Revoltei-me, queria morrer, entrei em profunda depressão, não queria comer, andar, trabalhar, tomar banho, nada.

Após 4 meses fui ao médico porque queria engravidar novamente até mesmo para sair da depressão, ele respondeu: _ Não adianta, você não vai mais ter um filho nunca, você nem sequer está ovulando (e deu uma risada sádica). Saí do consultório, encontrei meu marido e propus a ele que morrêssemos juntos. Ele me sacudiu e disse: _ Você vai ver, ainda este ano nós estaremos todos alegres com um bebezoide (mistura de bebê com espermatozoide, rsrsrs).

E de fato:

Em fevereiro de 99 meu marido olhou pra mim e disse: – Você está grávida e eu ri dizendo que ele estava brincando, mas fiz o exame no laboratório, deu negativo, mostrei pra ele, já triste. Ele disse pra esperar duas semanas. Fiz isso, esperei e coletaram novo exame. Mas desta vez meu marido foi buscar o exame. Me ligou e disse: – Venha pro consultório de sua médica. Não entendi mas fui. Quando cheguei tinha um par de sapatinhos de bebê sobre a mesa da secretária, sobre um buquê de rosas com uma foto de nós dois. Chorei de alegria pois descobri que estava grávida novamente (contrariando a médica), aí a médica disse que não cuidaria de minha gestação porque não daria certo e que era muito complicado uma diabética com tantos anos de diabetes ter um bebê. Fui à outra médica que peguei referências como sendo especialista em casos difíceis, ela me atendeu e disse: – Vamos ter este bebê sim, ou não me chamo Dra. Cristiane Marins Prado.

Foi uma gestação muito difícil, mas difícil meeeesmo:

Começaram logo as hipoglicemias (falta de glicose no sangue), cheguei a 6 de glicose (o normal é de 77 a 99), a qual a médica da Ecco Salva (empresa que presta pronto socorro residencial) disse: – Reze vó e pai, porque uma hipoglicemia dessas pode levar os dois, mãe e bebê. Deram-me choque para que eu voltasse, após acordar levaram-me para o pronto socorro para que eu fizesse uma ecografia para ver se o bebê estava vivo. Graças a Deus, estava.

Após uma glicose de 13,23,44,35,…

Tomava 5 injeções diárias de insulina e picava o dedo para fazer exame de sangue 6 vezes por dia, era uma tortura, mas meu bebê merecia todo o sacrifício.

Após mais um mês, ocorreu um sangramento, mais uma vez me levaram para o hospital, mas estava tudo bem, fiquei duas semanas sem trabalhar e em repouso absoluto.

Mais um mês, hiperglicemia (taxa muito alta de glicose no sangue), a médica pensou em desistir pois meu bebê poderia nascer com deficiências. Mais 3 ecografias. (e nada do danadinho mostrar se era ele ou ela).

Fui internada por estar com tosse, o que poderia causar aborto, devido à força e eu estar debilitada a tantas altas e baixas de glicose.

Entrei em coma por 3 dias, me alimentavam por soro e davam injeções de glicose na perna, próximo ao tornozelo, pois não tinha mais aonde encontrarem veias.

Certa vez, acordada, comprando os móveis para a Thamires (agora sim tivemos certeza que o milagrinho era menina), tive uma hipoglicemia e fiquei “fora de mim”, meu marido disse que eu batia em tudo e chamava as pessoas de loucas, ele viu que isso não era EU quem estava fazendo e ao ver eu suando e com os olhos arregalados; deu-me logo umas balas e eu melhorei, era hipoglicemia

Arrumando o cabelo para uma festa, novamente, desmaiei e entrei em coma. Ele e minha mãe chamaram o socorro e no cabeleireiro mesmo deram-me glicose, na virilha.

Foram muitas as vezes em que causei vexame por passar mal, mas minha filhinha estava bem.

Fui internada dia 13/10/99 para ficar até seu nascimento que deveria acontecer com 36 semanas, em uma cesária, pois devido a minha diabetes ela não poderia nascer de nove meses, pois faltaria oxigênio para ela e o espaço se tornaria muito pequeno (a criança sob macrossomia, cresce demais.

Foram feitas várias tocografias, em todas o seu coraçãozinho não estava muito bem, devido ao descontrole total em que chegava minha diabetes neste período. Muitas contrações e remédios deixavam minha pimpolhinha mal.

Passei muito nervoso vendo televisão dia 17/10/99. Liguei para o celular da médica para que ela viesse me ver urgente no hospital. Ela veio na hora em que as enfermeiras viram que eu estava nervosa e iriam me dar um calmante (eu não podia tomar nenhum tipo de remédio sedativo porque a pimpolhinha estava muito fraquinha). Ela brigou com as enfermeiras e me colocou no soro. Dia seguinte faria nova tocografia.

Dia 18/10/99 (com 32 semanas) era para fazer a tocografia às 15:00hs, o responsável não me chamou, procurei no hospital, com o soro, não o encontrei, entrei em desespero, sentia que algo não estava bem. Encontraram o médico somente às 19:00hs. Foi feita a tocografia, ele pegou o telefone e disse:

– Dra. Cristiane, venha rápido para a maternidade Curitiba, sua paciente precisa ter o bebê agora, senão as duas irão morrer (com estes exatos termos). Me levaram para o quarto. Avisei meu irmão, pois ninguém estava em casa, estavam todos na igreja e meu marido trabalhando. Meu irmão conseguiu avisar a todos na igreja e foram para o hospital. Meu marido foi lá pra me ver e só aí soube que eu já estava sendo anestesiada.

Estavam na sala de parto: O anestesista, o pediatra, a obstetra, duas enfermeiras, o cardiologista e o endocrinologista (estes dois últimos que cuidaram de mim durante todos os meses por causa da diabetes). Não havia lugar para meu marido que havia feito o curso para assistir ao parto.

A anestesia não pegava, tinham que esperar, mas não podiam esperar, deram uma no local, e pronto, vamos aos finalmentes:

Após meia hora. As 20h50min, nascia a Thamires, meu milagrinho, ninguém a viu, foi direto para a UTI, pois ela estava com hipoglicemia por minha culpa. Meu marido viu ela logo após a colocarem no respirador (afinal ela estava com 7 meses) e nos demais aparelhos. Eu só consegui vê-Ia no dia seguinte. Pesava 2.450kg e media 44cm.

Ela ficou 13 dias na UTI pois tinha apneia e hipoglicemias. Rasparam seu cabelinho.

Eu chorava de medo pois ela sofreu tanto durante toda a gestação. Ia de ônibus vê-la 3 vezes por dia (o máximo permitido). Saiu da maternidade com 2,480kg e 46cm.

Mas, agora, após 8 meses, está comigo o meu milagrinho, minha razão de viver e a dos avós, pai, titios, titias…

Ela é só alegrias, levanta sorrindo e dorme sorrindo, encanta com seus olhinhos negros.

Gordinha ela é um “pernilzinho” como chama a madrinha. Moreninha igual ao pai, parece um chocolatinho misto (branco e preto).

Ela já me abraça e com esse abraço sinto que Deus me iluminou dando-me esta oportunidade de ser mãe, agora não posso mais ter filhos; mas meu milagrinho está aí para provar que DEUS PODE TUDO, QUALQUER QUE SEJA SUA CRENÇA OU RELIGIÃO, EM QUALQUER SITUAÇÃO, EXISTE UM DEUS QUE OLHA POR NÓS E DIZ: – Pode contar comigo, filho.

MAIS UMA COISA: Ganhei o carrinho da promoção Dia das mães: Meu marido escreveu uma frase pois ele também cuida da Thamires, troca fraldas, dá banho… A frase é: – Com o Guia do Bebê até eu sou uma grande mãe, Ass. Papai” (A Thamires está no meu bebê é demais ,- mês 04/00, se quiserem vê-Ia…) Obrigada a todos pela oportunidade de contar esta minha história, e agora é parar de chorar (de alegria) e voltar a meus afazeres…

E agora, 15 anos depois:

Publiquei esta história dia 06/07/00 no Guia do Bebê, após isso muita coisa aconteceu.

A Thamires teve refluxo gastrointestinal que só descobrimos porque ela vomitava todo o leite, estava perdendo peso e teve pneumonia. Passou a tomar leite anti-refluxo e remédio para refluxo. Com 10 meses fez cirurgia do freinho (pele que gruda o lábio por dentro ao dente central, deixando um espaço que quando adulto não fica muito bonito), foi uma cirurgia mais estética para ela ter os dentes retinhos (eu também fiz esta cirurgia quando bebê, minha sobrinha/afilhada também fez, é bem simples).

Com 1 ano e 2 meses, após tanto eu conversar com ela, chamá-la e ela não atender, não chorava mas ria bastante e se debatia demais. Levei-a ao médico que mandou fazer um exame que na época chamava-se “Bera”. O exame mostrou que ela não ouvia por ter muita secreção no cérebro. Fez uma cirurgia colocando tubinhos de ventilação nos ouvidos, tirou adenoides e amígdalas, fizeram um “serviço completo”. Nas semanas seguintes saia muita secreção dos ouvidos mas ela só dormia, perguntei o porquê ao médico e ele disse que agora ela não estava sentindo dor nos ouvidos e por isso não se debatia mais, agora podia descansar sossegadinha. Me deu muita peninha do meu milagrinho. Após um ano, nova cirurgia para tirar os tubinhos que não saíram sozinhos. Mais um ano, cirurgia pra fechar um tímpano que permaneceu aberto. Mais 5 anos, outra cirurgia porque a primeira de fechar os tímpanos não deu certo e a última com 13 anos, enfim, deu certo, fechou o tímpano e agora ela pode molhar a cabeça normalmente sem cuidados nos ouvidos. Foram os únicos problemas que ela teve até agora.

Em 18/10/14 fez 15 anos. É uma garota muito inteligente, concluiu com ótimas notas o primeiro ano do ensino médio, já reservada a matrícula para o segundo ano, num colégio em que passou no vestibulinho (vestibular para o ensino médio), é o colégio de ensino médio da Universidade Federal do Paraná, aonde eram 30 candidatos por vaga no curso de Administração e ela conseguiu. É minha vitória esta menina. É escoteira desde os 9 anos e muito admirada pelos “chefes” (como chamam os que cuidam dos escoteiros). O escotismo é um ótimo ensino de bons valores, só aprendem a ajudar, contribuir, ensinar, é realmente tudo muito bom, com atividades educativas, tendo como meta efetuar pelo menos uma boa ação por dia, aconselho a quem puder (e quiser óbvio), independente da religião, colocarem seus filhos a partir dos 7 anos (aí são lobinhos), nos Escoteiros. Em todo o Mundo há grupos de escoteiros.

Divorciei-me em 2011 do pai de minha filha mas ele liga duas vezes ao dia para ela e sempre vem visitá-la, mesmo de longe é um pai presente. Minha mãe faleceu em jun/12 (as duas eram muito agarradas, sempre juntas quando podiam, a Thamires sofreu muito mas é forte e supera tudo). Hoje estou com 36 anos de diabetes, 6 injeções ao dia, 6 picadas nos dedos e vários outros problemas mas tenho uma enfermeira magnífica que sabe antes de mim quando estou mal, minha filha Thamires, que até as injeções me aplica. Mas quer ser Engenheira Civil.

Valeria Macedo

Na foto abaixo, minha filha Thamires com 15 anos.

Thamires com 15 anos

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